quinta-feira, fevereiro 25, 2010

Pássaro ferido na caverna de Adulão

Arquitetada na mente do traidor, a perfídia leva tempo para ser executada. O tempo é necessário para as criações da mentira tomarem forma. Geralmente, ela é sustentada no vácuo e em pensamentos inconsistentes. No entanto, de tanto ser repetida e reafirmada, passa a tornar-se uma verdade na cabeça do mentiroso. Mas um bom traidor precisa ser meticuloso e sutil, pois um simples deslize pode trazer à tona uma sucessão de passos mal dados e tudo vira objeto de questionamentos. Neste momento, a mentira é alimentada por novas mentiras e, frequentemente, a fuga se torna uma boa saída para quem se acovarda em falar a verdade. [Jogar o lixo debaixo do tapete não deixa o ambiente limpo!] Uma miscelânea de pensamentos começa a existir na mente da pessoa traída, em paralelo às mentiras contadas. A mentira tem poder ambivalente, pode deixar uma pessoa cega e a outra doente: o cego perde o senso e o limite de seus atos, acha que tudo é justificável e que no fundo nada foi tão grave assim - apesar de ter sido muito bom; já o doente passar a reagir sob o controle da insegurança, do desequilíbrio, da insanidade. Mas nada é feito às escondidas e nem tudo permanece igual ou com a mesma cara, à medida que o tempo vai passando. A desconfiança, a frieza, a indiferença, a insensibilidade, o egoísmo narcisista, a falta de consideração, a falta de respeito, a falta de tanta coisa... entram em cena e vestem a carapuça do traidor, expondo um cenário de horror e sintomas insustentáveis, deixando a relação fragilizada. As conseqüências de uma traição são sempre devastadoras e nocivas, castigando o coração e alma, infligindo um ferimento que talvez nunca cicatrize.

"E, acima de tudo:
a ti próprio sê verdadeiro
e assim deverás prosseguir,
como a noite e o dia, e
não poderás, então, ser
falso a mais ninguém".
- W. Shakespeare

Todos estes dias morri um pouco. Dei meu sangue e agora devo suor e lágrimas a mim mesmo. Caí do céu direto para o inferno. Uma bomba explodiu dentro do meu peito. Sinto-me como Davi na caverna de dor "estou exausto de tanto gemer. De tanto chorar inundo de noite a minha cama; de lágrimas encharco o meu leito" (Salmo 6:6). Deparei-me com uma pessoa sem paciência suficiente, sem esperança suficiente e infeliz suficiente para por fim à sua miséria, pulando fora, literalmente! Pergunto-me frequentemente, será que a morte é pior do que isto? Será ilusão achar que este estado de espírito suicida/depressivo possa melhorar? A culpa vem por não ter sido forte o suficiente para ter assumido meu destino - meus hojes e amanhãs - e ter evitado a "caverna de Adulão", só assim, não me sentiria tão humilhado e mal amado como agora. Fui um irresponsável comigo e pelo que permiti que fizessem a mim! Hoje, não sinto mais a necessidade de salvar o pássaro ferido, pois também fui ferido. Agora me resta, como Davi, sair da caverna de dor, arranjar uma vida e vivê-la de modo responsável.